03 Junho 2020
Charles Delhez, sociólogo jesuíta e especialista em pastoral familiar, explica como e por que mudou de ideia sobre o sacerdócio feminino.
Delhez nasceu em Bruxelas, Bélgica, em 1951. Foi ordenado padre da Companhia de Jesus em 1982. Atualmente, é pároco de Blocry (Louvain-la-Neuve) e capelão nacional das Equipes Notre-Dame, um movimento espiritual para casais católicos.
O comentário foi publicado em La Croix Interanacional, 02-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como todo mundo, eu também fiquei surpreso com a candidatura amplamente divulgada de Anne Soupa a se tornar arcebispa de Lyon. Mas não fiquei assustado. Isso até me fez sorrir. Que gesto original!
Eu conheço a luta que essa teóloga e outros estão liderando. É uma luta honesta. E a sua anunciada candidatura a bispa foi uma oportunidade perfeita para fazer as pessoas pensarem novamente sobre o lugar das mulheres na Igreja.
Em relação à ordenação de mulheres, eu pessoalmente evoluí bastante. De fato, é raro que um lado possua a verdade, e o outro lado esteja completamente errado.
A verdade geralmente é mais nuançada, e existem argumentos válidos nos dois lados. Portanto, é possível que, durante uma conversa ou ao longo de vários anos, alguém possa mudar de opinião.
Eu confesso que sempre tive uma tendência bastante feminista, desejando ver o poder – entendido em termos de responsabilidade – compartilhado igualmente na Igreja e na sociedade. É vital que o mundo nem sempre seja visto através de olhos masculinos.
No que diz respeito à ordenação de mulheres, no entanto, eu era mais reticente. Em princípio, nosso sistema sacramental não é uma questão de poder. Ele se situa no reino do simbolismo.
Mas agora estou mudando de ideia. Deixe-me explicar.
Jesus deu às mulheres um lugar mais importante do que os seus contemporâneos. São Paulo, embora ainda falasse a partir de uma cultura patriarcal, proclamou em voz alta e clara a igualdade de homens e mulheres. A primeira página da Bíblia deu uma visão de gênero e não exclusivamente masculina do ser humano, colocando-nos já nesse caminho.
A Igreja não nega essa igualdade, mas insiste em que existem diferenças intrínsecas entre homem e mulher, e não apenas no nível cultural.
Reservar o sacerdócio aos homens é uma questão de coerência simbólica com a visão antropológica da Igreja: não existe um único ser humano indiferenciado, mas sim duas formas diferentes de ser no mundo.
Como Cristo era homem (isso faz parte da contingência da história), apenas um homem pode agir in persona Christi, de acordo com a expressão teológica. A Igreja, portanto, opta por se situar no plano simbólico, e não no plano sociológico.
Sempre existem argumentos nos dois lados de uma equação. Olhemos para o outro lado.
Se quisermos manter um diálogo com a cultura moderna e promover um conceito menos sagrado do padre, ordenar mulheres seria um passo nesse sentido, alinhado com o avanço iniciado por Jesus.
Isso estaria de acordo com a história e removeria uma importante reserva que nossos contemporâneos têm em relação à Igreja institucional. Isso não é um absurdo, ao que me parece.
De fato, podemos nos perguntar, junto com Dolores Aleixandre – a teóloga de referência do Papa Francisco – se não foi apenas a tradição humana que criou esse padrão, um padrão não mais sustentável hoje.
Você pode perceber para qual lado eu me inclino.
Além disso, grandes teólogos como Karl Rahner (+1984) e o cardeal Jean Daniélou (+1974) eram a favor da ordenação de mulheres, enquanto a Sagrada Escritura não leva a quaisquer conclusões firmes.
O primeiro passo, portanto, seria o restabelecimento das diaconisas e a escolha de mulheres cardeais.
A unção dos enfermos também pode ser administrada por qualquer cristão batizado, mulher ou homem, que tenha a missão de acompanhar espiritualmente aqueles que sofrem.
Não deveríamos afrouxar a viseira sacramental que se tornou um quase monopólio dos padres e dos homens (exceto para o matrimônio e o batismo)?
Mas, na minha opinião, a verdadeira questão não é se o sacerdócio é feminino ou masculino. Isso ainda seria clericalismo. Trata-se da vitalidade das comunidades chamadas a ser mais responsáveis e maduras. Pode-se perguntar, além disso, se a atual imagem do clero não está desatualizada.
Seja como for, excluir as mulheres da ordenação hoje é como ter uma pedrinha no sapato. Ainda é aceitável?
O relatório anual da Igreja Católica na Bélgica para 2019 lista mais de 700 pessoas que detêm responsabilidades institucionais, e 55% delas são mulheres!
Isso já é um bom progresso! Mas precisamos ir além...
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Ordenação de mulheres, uma evolução possível. Artigo de Charles Delhez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU